quinta-feira, abril 29, 2004

Confesso que nunca fui grande leitor da senhora. Talvez porque a tenha conhecido (à obra) através da minha cara professora Maria Cavaco e Silva ( que Deus poupe o já martirizado povo Tuguenho e não a faça 1ªDama) lá nos idos finais de oitentas num ano zero de má memória ( ele há anos na vida de uma pessoa que teimam em ser mesmo abaixo de zero) ...
Bom, mas dizia eu que tinha ficado com o trauma da velha senhora, que em 88 já era velha, porque tinha sido obrigado a engolir a "A Sibila" e desde esse ano nunca mais quis nada com a letras daquelas. Eis que se não quando, dei comigo a folhear um trabalho menor. Um folhetim encomendado à senhora, " O Mistério da Légua da Póvoa" de seu nome.Confesso que a minha muralha de preconceito foi caindo e estou rendido à pena da velha senhora, embora um folhetim seja (assumidamente no caso) sempre uma obra menor. Mas uma delícia em todo o caso.
E de vez em quando tropeçamos em pérolas destas... Agustina no seu melhor. Permitam-me...

" É quase impossível na natureza humana erradicar a vaidade. O poder aguça essa paixão. A mais insubmissa de todas. Se o vício do dinheiro se adianta a todos os outros, se é mais indestrutível do que a droga, a vaidade é mais insinuante, mais acordada, tem mais artifícios do que todos os paraísos artificiais. (...) O amor conta pouco na carreira dos vaidosos. É um detalhe e, se Deus está nos detalhes, como disse um arquitecto célebre, a excepção é feita para os vaidosos, que, valha a verdade, conspiram com Deus e não lhe fazem preces."

Enfim... dá que pensar a senhora Agustina.

terça-feira, abril 06, 2004

Para o meu filho Sebastião...

Pelo baptismo que vais receber, ainda que hoje não o
entendas, sei que um dia vais entender plenamente
com todo o teu coração, e com toda a tua inteligência
porque Ele não te abandonará nunca...
Do teu pai que te ama muito.

Ítaca

Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado – não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria – nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.

Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.

Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
sem esperar que Ítaca te dê riquezas.

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.

Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.


Konstantinos Kavaphis, 1911