quinta-feira, abril 27, 2006

Do silêncio e da palavra.

Hoje recebi estas palavras. Tenho pena que muitos dos meus amigos tenham tantos preconceitos com o cristianismo e em particular contra a Igreja. Acham que já sabem tudo e que nada podem acrescentar ao (nada) que sabem. A onda das espiritualidades alternativas e dos yogis e sucedâneos parece ir crescendo a par dos materialismos e racionalismos sem transcendência. Falar-lhes de Ti Senhor, parece-me uma tarefa penosa e não poucas vezes sinto que nada mais faço do que acrescentar ruído ao ruído que já têm nos seus corações e ouvidos...

E no meio de tanto ruído, sabe bem este elogio do silêncio. (...)

De Jean Tauler:

“Tal como Maria, todo o servo de Deus deve, frequentemente, encontrar o silêncio e a calma em si mesmo, recolher-se em seu íntimo, esconder-se espiritualmente para se preservar e fugir aos sentidos, e conceder a si mesmo um lugar de silêncio e de repouso interior. É deste repouso interior que se canta: «Quando um silêncio profundo envolvia todas as coisas e a noite ia a meio do seu curso, então, a tua palavra omnipotente desceu do céu e do trono real e, como um implacável guerreiro, lançou-se para o meio da terra» (Sab. 18, 14-15): foi quando o Verbo eterno saiu do coração de seu Pai. É no meio do silêncio, precisamente no momento em que todas as coisas estão mergulhadas no mais profundo silêncio, quando o verdadeiro silêncio reina, que se escuta então, verdadeiramente, este Verbo. Pois se desejas que Deus fale, precisas silenciar; para que ele entre, todas as coisas devem sair.
Quando Nosso Senhor Jesus entrou no Egipto, todos os ídolos do país caíram em ruínas. Os teus próprios ídolos, é tudo aquilo que impede que se opere em ti este nascimento eterno, de maneira verdadeira e imediata, por melhor e mais santo que isto possa parecer. Nosso Senhor disse: «Eu vim trazer a espada» (Mt. 10,34) para cortar tudo o que se agarra ao homem. Pois aquilo que te é mais chegado, eis o teu inimigo: esta multiplicidade de imagens que em ti escondem o Verbo.”

Jean Tauler (1300-1361), dominicano
Sermão para a Festa de Natal

quarta-feira, abril 26, 2006

dias de Liberdade

No dia 25 de Abril recordou-se o dia em que da ditadura se passou à liberdade. Não tem sido um caminho fácil – o próprio contexto revolucionário de 74 proporcionou muitas colagens e aproveitamentos ideológicos - sabemo-lo, mas, de qualquer forma, tem valido a pena.

Por falar em mudanças e em transformações, e porque também é o dia em que celebramos o evangelista S. Marcos, dou comigo a meditar no poder verdadeiramente revolucionário que a presença de Deus pode realizar nas nossas vidas.
Leio as palavras do Cardeal Newman e deixo-me surpreender pela forma como ele evidencia e o poder que o Espírito tem na transformação da pessoa.
Uma verdadeira revolução, um caminho de Liberdade.

do Cardeal Newman:
“Assistimos em São Marcos a uma transformação verdadeiramente maravilhosa: tendo acompanhado Barnabé e Paulo durante a primeira viagem apostólica de ambos, diante do perigo, João Marcos abandona-os para regressar a Jerusalém (Act 13, 13). [.]
Depois disto, porém, foi colaborador de São Pedro (1P 5,13), tendo-se mostrado, não apenas um autêntico cristão, mas um servidor fiel e resoluto do Evangelho, sendo mesmo, segundo a tradição, o fundador da Igreja mais rigorosa, a Igreja de Alexandria. O instrumento desta mudança parece ter sido a influência de Pedro, que transformou em apóstolo o discípulo tímido e cobarde.
Através desta história, aprendemos uma lição: pela graça de Deus, o mais fraco pode receber a força. Portanto, não devemos confiar em nós mesmos; nunca devemos desprezar um irmão que dá provas de fraqueza, nem jamais desesperar quanto à sua fidelidade mas, pelo contrário, devemos ajudá-lo a seguir em frente. [.] A história de Moisés apresenta-nos o exemplo de um temperamento orgulhoso e violento, que o Espírito dominou, a ponto de fazer dele um homem de excepcional humildade (Nm 12, 3). A história de Marcos apresenta-nos um caso de mudança ainda mais rara: a passagem da timidez a uma segurança definitiva. Com efeito, se é difícil dominar paixões violentas, ainda é mais difícil superar a tendência para o temor e o desalento, essas pequenas cadeias que paralisam alguns. [.] Admiremos pois, em São Marcos, uma tão espantosa transformação: "pela fé, o fraco recebeu o dom da força" (Hb 11,34). Deste modo, Marcos dá testemunho dos dons mais maravilhosos do Espírito Santo, segundo a repartição dos últimos tempos: "Levantai as vossas mãos fatigadas e os vossos joelhos enfraquecidos" (Hb 12,12).

Cardeal John Henry Newman (1801-1890), sacerdote, fundador de comunidade religiosa, teólogo PPS vol. 2, n°16

sexta-feira, abril 21, 2006

Ressurreição, hoje.

A propósito desta Páscoa e da Ressureição do Senhor.
Foi fantástica a vigília em família, a minha mulher, a presença das crianças, os irmãos, enfim, dos pequenos milagres que das mortes se tornaram vida.
É também por isto que sei que Ele está vivo e no meio de nós.
Já agora, o Cardeal Newman dá uma mãozinha para entender esta coisa da ressurreição para os dias que correm.


Cardeal John Henry Newman (1801-1890), sacerdote, fundador de comunidade religiosa, teólogo PPS vol. 8, n°2
“.... Só lentamente nos apercebemos desta grande e sublime verdade: Cristo continua, de alguma maneira, a caminhar no meio de nós, e faz-nos sinal para o seguirmos com a sua própria mão, o seu olhar, a sua voz. Nós não compreendemos que este chamamento de Cristo tem lugar todos os dias, hoje como outrora. Temos tendência para nos convencermos de que ele se verificava no tempo dos apóstolos, mas não cremos que, hoje, se nos aplique, não procuramos detectá-lo a nosso respeito. Deixámos de ter olhos para ver o Mestre – somos muito diferentes do apóstolo amado, que reconheceu Cristo mesmo quando os outros discípulos O não reconheceram. E, contudo, era Ele que estava na margem; foi depois da ressurreição, quando lhes ordenou que lançassem a rede ao mar; foi então que o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor!”
O que pretendo dizer é que, de vez em quando, os homens que vivem uma vida de crentes se apercebem de verdades que ainda não tinham visto, ou para as quais nunca lhes tinham chamado a atenção. E, de repente, elas apresentam-se diante deles como um apelo irresistível. Ora, trata-se de verdades que nos obrigam, que assumem o valor de preceitos, e que exigem obediência. É desta maneira, ou ainda de outras, que Cristo hoje nos chama. Não há nada de miraculoso ou de extraordinário nesta forma de actuar. Ele age por intermédio das nossas faculdades naturais e por meio das próprias circunstâncias da vida.”