segunda-feira, maio 22, 2006

Move-me

O que me move num poema de S. Francisco Xavier, escrito em Goa.


A Jesu Crucificado

No me mueve, mi Dios, para quererte
El cielo que me tienes prometido
Ni me mueve el inferno tan temido
Para dejar por eso de ofenderte

Tu me mueves, Senor, mueve me el verte
Clavado en esa cruz y escarnecido
Mueveme el ver tu cuerpo tan herido.
Mueveme tus afrontas y tu muerte

Mueveme en fin tu amor y en tal manera
Que aunque no hubiera Cielo yo te amara
Aunque no hubiera inferno te temiera

segunda-feira, maio 15, 2006

Do Amor (do Pai e do Filho)

Do Amor constante e recíproco do Pai e do Filho "resulta" o Espírito Santo.
O Filho na sua volta para o Pai (de onde procede) deixa-nos, ou melhor trespassa-nos nessa entrega, nessa relação de Amor e Intimidade.
Na homília de Domingo o pároco ilucidou-nos. No cristianismo não se trata de engrandecimento de egos. Num tempo de ego-cêntricos, a religiosidade também não está a salvo. Uma das armadilhas na caminhada é pensar que se pode ser santo sozinho, ou pior, por sua conta. O golpe foi certeiro. A nós cabe-nos participar nesta relação de amor indo ao encontro do outro, dando testemunho daquele que nos amou.
Amar é sair de si, ir ao encontro para se poder "Ser" verdadeiramente.
Foi assim que Ele fez connosco. Saiu de Si, deu-se-nos na Cruz, e deixou-nos o Espírito que nos une ao Pai. Queremos melhor?


A respeito do Espírito Santo diz-nos o nosso Papa Bento XVI:

“Ao invés das palavras "Pai" e "Filho", o nome do "Espírito Santo", a terceira pessoa divina, não é a expressão de uma especificidade; pelo contrário, ele designa o que é comum a Deus. Ora é precisamente aí que aparece o que é "próprio" da terceira pessoa: é "o que existe em comum", a unidade do Pai e do Filho, a Unidade em pessoa. O Pai e o Filho são um na medida em que vão para além de si mesmos; são um nesta terceira pessoa, na fecundidade do dom. Estas afirmações nunca poderão ser mais do que meras aproximações; só pelos seus efeitos podemos reconhecer o Espírito. Por consequência, a Escritura nunca descreve o Espírito Santo em si; fala apenas da forma como ele vem até ao homem e como se diferencia dos outros espíritos...
Judas Tadeu pergunta: "Senhor, como é possível que te queiras manifestar a nós e não ao mundo?" A resposta de Jesus parece ignorar a pergunta: "Se alguém me amar, guardará a minha palavra e nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada". Na realidade, essa é a resposta exacta à pergunta do discípulo e à nossa própria pergunta sobre o Espírito. Não se pode expor o Espírito de Deus como se fosse uma mercadoria. Só o pode ver aquele que o tem em si. Ver e vir, ver e ficar, estão juntos e são indissociáveis. O Espírito Santo permanece na palavra de Jesus e essa palavra não se obtém com discursos, mas com a constância, com a vida.


Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI] in “ O Deus de Jesus Cristo”

quarta-feira, maio 10, 2006

Intimidade e Liberdade

Quando li esta passagem do Evangelho de S. João, o que me impressionou mais foi a dimensão profunda da intimidade de Jesus com o Pai. De intimidade e de transparência. O Filho não oculta o Pai, antes O revela. mas essa intimidade não é exclusivista e fechada, à maneira da nossa noção de "intimidade", pelo contrário ela abre-se para o mundo, para partilharmos dela.
Para entrar nesta intimidade com o Pai e o Filho, foi-nos dada a Liberdade, de tal modo que, só por nossa livre vontade é que podemos aceder à vida eterna.
Ora isto é bem diferente da visão (distorcida) de um Deus opressor e dominador.
O seu domínio funda-se no Amor e na Liberdade.
Maravilhoso, não?


Do Evangelho segundo S. João 12,44-50.

Jesus levantou a voz e disse: «Quem crê em mim não é em mim que crê, mas sim naquele que me enviou; e quem me vê a mim vê aquele que me enviou. Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em mim não fique nas trevas. Se alguém ouve as minhas palavras e não as cumpre, não sou Eu que o julgo, pois não vim para condenar o mundo, mas sim para o salvar. Quem me rejeita e não aceita as minhas palavras tem quem o julgue: a palavra que Eu anunciei, essa é que o há-de julgar no último dia; porque Eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, é que me encarregou do que devo dizer e anunciar. E Eu bem sei que este seu mandato traz consigo a vida eterna; por isso, as coisas que Eu anuncio, anuncio-as tal como o Pai as disse a mim.»

terça-feira, maio 09, 2006

Do Silêncio II

Muitos de nós quando se fala da Igreja pela positiva, imediatamente nos viramos, quase sempre, para o exemplo de Madre Teresa de Calcutá. Ora porque gostamos do seu exemplo de humanidade e humildade, ora porque nos aparece sempre como uma "personagem" cheia de vida e de acção, sempre em grande bulício, muito ao estilo de vida dos dias de hoje, como a demonstração acabada de alguém que não era "beata" e de andar sempre em rezinhas, bem antes pelo contrário. É bem verdade que a sua obra dá conta da sua vida, da forma como doou a sua existência aos mais pobres. Mas enganamo-nos muito, se acharmos que a sua força vinha de si mesma ou das suas ambições pessoais. Vinha antes, de uma fé inabalável no Amor de Deus.
E essa fé era alimentada no silêncio e na Oração.


" Acharás certamente que é difícil rezar se não souberes como o fazer.
Cada um de nós deve ajudar-se a rezar: em primeiro lugar, recorrendo ao silêncio, porque não podemos pôr-nos em presença de Deus se não praticarmos o silêncio, tanto interior como exterior.
Fazer silêncio dentro de nós mesmos não é fácil, mas é um esforço indispensável. Só no silêncio encontraremos um novo poder e uma verdadeira unidade.
O poder de Deus tornar-se-á nosso, a fim de realizarmos todas as coisas como devem ser realizadas; o mesmo no que respeita à unidade dos nossos pensamentos com os seus pensamentos, das nossas orações com as suas orações, das nossas acções com as suas acções, da nossa vida com a sua vida.
A unidade é o fruto da oração, da humildade, do amor.
É no silêncio do coração que Deus fala; se te colocares diante de Deus no silêncio e na oração, Deus falar-te-á.
E saberás então que não és nada.
Só quando conheceres o teu nada, o teu vazio, é que Deus pode encher-te d’Ele mesmo.
As almas dos grandes orantes são almas de grande silêncio.
O silêncio faz-nos ver cada coisa com outros olhos.
Precisamos do silêncio para tocar as almas dos outros.
O essencial não é o que dizemos, mas o que Deus diz - o que Ele nos diz, o que diz através de nós.
Nesse silêncio, Ele nos escutará, falará à nossa alma e escutaremos a sua voz."

Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora da Irmãs Missionárias da Caridade in “Não há maior Amor”